Na disciplina Gramática Aplicada na Literatura Portuguesa foi demonstrado as diversas maneiras utilizadas para formar palavras,e a parte da análise gramatical que estuda este conteúdo:a Morfologia.
Abaixo seguem dois textos que demonstram palavras formadas por aglutinação:"gósdevinho", supressão:"ocê" e derivação sufixal:"gostim",entre outros como a palavra "defenestrar"(defenestração é o ato de atirar algo por uma janela. Refere-se, contudo, mais especificamente ao ato de atirar pessoas de uma janela com a intenção de as assassinar ou ao caso de suicídio. O termo provém da palavra latina para janela, fenestra.) o que nos permite compreender que as palavras não são apenas aglomerados de letras,e que mesmo sem conhecer seu significado ela carrega uma história,e este significado nunca é arbitrário.
"Ocê gósdevinho?" Degustação de Vinho em Minas
- Hummm...
- Hummm...
- Eca!!!
- Eca?! Quem falou Eca?
- Fui eu, sô! O senhor num acha que esse vinho tá com um
gostim estranho?
- Que é isso?! Ele lembra frutas secas adamascadas, com
leve toque de trufas brancas, revelando um retrogosto persistente, mas
sutil, que enevoa as papilas de lembranças tropicais atávicas...
- Putaquepariu sô! E o senhor cheirou isso tudo aí no
copo ?!
- Claro! Sou um enólogo laureado. E o senhor?
- Cebesta, eu não! Sou isso não senhor !! Mas que isso aqui
tá me cheirando iguarzinho à minha egüinha Gertrudes depois da chuva, lá isso
tá!
- Ai, que heresia! Valei-me São Mouton Rothschild!
- O senhor me desculpe, mas eu vi o senhor sacudindo o
copo e enfiando o narigão lá dentro. O senhor tá gripado, é ?
- Não, meu amigo, são técnicas internacionais de
degustação entende? Caso queira, posso ser seu mestre na arte enológica. O
senhor aprenderá como segurar a garrafa, sacar a rolha, escolher a taça, deitar
o vinho e, então...
- E intão moiá o biscoito, né? Tô fora, seu frutinha
adamascada!
- O querido não entendeu. O que eu quero é introduzi-lo
no...
- Mais num vai introduzi mais é nunca! Desafasta, coisa
ruim!
- Calma! O senhor precisa conhecer nosso grupo de
degustação. Hoje, por exemplo, vamos apreciar uns franceses jovens...
- Hã-hã... Eu sabia que tinha francês nessa história
lazarenta...
- O senhor poderia começar com um Beaujolais!
- Num beijo lê, nem beijo lá! Eu sô é home,
safardana!
- Então, que tal um mais encorpado?
- Óia lá, ocê tá brincano com fogo...
- Ou, então, um suave fresco!
- Seu moço, tome tento, que a minha mão já tá coçando de
vontade de meter um tapa na sua cara desavergonhada!
- Já sei: iniciemos com um brut, curto e duro. O senhor
vai gostar!
- Num vô não, fio de um cão! Mas num vô, messs! Num é
questão de tamanho e firmeza, não, seu fióte de brabuleta. Meu negócio é outro,
qui inté rima com brabuleta...
- Então, vejamos, que tal um aveludado e
escorregadio?
- E que tal a mão no pédovido, hein, seu fióte de
Belzebu?
- Pra que esse nervosismo todo? Já sei, o senhor prefere
um duro e macio, acertei?
- Eu é qui vô acertá um tapão nas suas venta, cão
sarnento! Engulidô de rôia!
- Mole e redondo, com bouquet forte?
- Agora, ocê pulô o corguim! E é um... e é dois... e é
treis! Num corre, não, fiodaputa! Vorta aqui que eu te arrebento, sua bicha
fedorenta!...
Luiz Fernando Veríssimo
DEFENESTRAÇÃO
(Luís Fernando Veríssimo Veríssimo)
Pretendo, postando esta crônica de Luís Fernando
Veríssimo, ressaltar o quanto de profético pode haver numa obra de ficção, que
muitas vezes é superada pela realidade. Afinal o autor não poderia supor
o quanto seria farta e lamentavelmente usado, como nestes dias, três décadas
após a edição desta crônica, o verbo DEFENESTRAR.
"Certas palavras tem o
significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa
vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades.
A falácia Amazônica . A misteriosa falácia Negra.
Hermeneutas deveria ser o membro de
uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
-Os hermeneutas estão chegando!
-Lh, agora é que ninguém vai entender
mais nada...
Os hemeneutas ocupariam a cidade e
paralizariam todas as atividades produtivas com seus enígmas e frases ambíguas.
Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas
até que as coisa recuperassem o seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria
ter um sentido oculto.
-Alô...
- O que é que você quer dizer com
isso?...
Traquinagem devia ser uma peça
mecânica.
- Vamos ter que trocar a traquinagem.
E o vetor está gasto.
Plúmbeo devia ser o barulho que o
corpo faz ao cair na água
Mas nenhuma palavra me fascinava
tanto quanto defenestração.
A princípio foi o fascínio da
ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no
dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado
por poucas pessoas. Tinha até um som lúbrico. Galanteadores de calçada deviam
sussurrar no ouvido das mulheres:
-Defenestras?
A resposta seria um tapa na cara. Mas
algumas...Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e
insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria assim
defenestradores profissionais.
Ou quem sabe seria uma daquelas
misteriosas palavras que encerravam os documentos formais? "Nestes termos,
pede defenestração..." Era uma palavra cheia de implicações. Devo tê-la
usado uma ou outra vez, como em:
-Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa,
assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada era a palavra exata.
Um dia finalmente procurei no
dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir.
"Defenestração" vem do francês defenestration. Substantivo feminino,
ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um
ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão
muito forte. Afinal,não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de
atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então,
defenestração?
Talvez fosse um hábito francês que
caiu em desuso. Como rapé. Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a
tempo.
-Les defenestrations. Devem ser
proibidas.
-Sim, monsieur le ministre.
-São um escândalo nacional. Ainda
mais agora, com os novos prédios.
-Sim, monsieur le ministre.
-Com prédios de três, quatro andares,
ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as
janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: interdit de defenestrer.
Os transgressores serão multados.. Os reincidentes serão presos.
Na bastilha, o Marquês de Sade deve
ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida,
talvez persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar
cheio de defenestradores latentes.
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(Luís Fernando Veríssimo. O Analista de Bagé. 6ª ed.
Porto Alegre.L&PM ed. 1981. p. 29-31)
Érick-Silvestre-Thaís
Como vários outra textos do autor é inteligente e divertido. Adoro...
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